O conteúdo local na indústria petrolífera angolana representa actualmente apenas 2%, uma realidade preocupante atribuída principalmente à falta de confiança por parte dos operadores internacionais. A afirmação foi feita por Jorge Morais, Diretor – Geral da empresa angolana Kaeso Energy Services, durante a sua intervenção no Angola Economic Forum – 2025.
Segundo o responsável, esta desconfiança não decorre apenas da percepção dos investidores, mas sobretudo da ausência de mecanismos eficazes de qualificação e regulação das empresas nacionais que actuam no sector.
“O conteúdo local no sector petrolífero representa apenas 2%. Porquê? Em grande parte, é uma questão de confiança. Os nossos clientes potenciais – empresas estrangeiras, operadores e prestadores de serviços internacionais – não confiam na nossa capacidade, na qualidade do nosso trabalho, nem na nossa capacidade de cumprir com os prazos e requisitos de segurança”, afirmou Jorge Morais.
Para o gestor, a origem do problema está no débil controlo institucional sobre quem opera no sector.
“Quem tem o dever de assegurar que apenas empresas qualificadas actuem neste mercado, simplesmente não o faz. Hoje, qualquer um entra. O resultado? Temos uma reputação péssima, e os operadores internacionais não confiam em nós”, lamentou.
As declarações de Jorge Morais foram feitas durante a edição mais recente do Angola Economic Forum – 2025, evento anual que reúne decisores políticos nacionais, especialistas internacionais, académicos, empresários e representantes da sociedade civil. O fórum tem como objectivo identificar os principais desafios da economia angolana e discutir políticas públicas prioritárias para impulsionar o desenvolvimento do país.
Com painéis de alto nível e uma abordagem multidisciplinar, o AEF destaca-se como a primeira conferência em Angola dedicada exclusivamente a temas económicos, abordando ainda questões sociais, culturais, financeiras, demográficas, de comércio e negócios.
A intervenção do Director da Kaeso Energy Service reforça a urgência de melhorar os instrumentos internos de regulação e certificação das empresas nacionais, como condição essencial para aumentar a participação angolana no sector petrolífero e garantir uma maior inclusão local nas cadeias de valor da indústria de petróleo e gás.
9 – TRANSPARÊNCIA NA INDÚSTRIA EXTRACTIVA EM ANGOLA AINDA ENFRENTA GRANDES DESAFIOS, ALERTA BARTOLOMEU MILTON, PRESIDENTE DA ASSOCIAÇÃO PRO BONO ANGOLA
O Jurista e Presidente da Associação Probo Bono Angola, Bartolomeu Milton, alertou para a persistente falta de transparência no sector da indústria extractiva em Angola, destacando a dificuldade de acesso à informação pública e a ausência de mecanismos eficazes de redistribuição de receitas para as comunidades locais.
Em entrevista ao programa “A Hora da Indústria Extractiva”, Milton foi directo: “Há muito pouca informação disponível”, e compreender os dados existentes exige ferramentas ainda inacessíveis à maioria da sociedade civil.
Segundo o jurista, embora Angola tenha aderido à Iniciativa para a Transparência nas Indústrias Extractivas (ITIE) em Junho de 2022, os avanços continuam tímidos. A recente pontuação de 63,5 pontos (numa escala de 0 a 100) obtida pelo país na avaliação de Março de 2025, é vista como um progresso, mas ainda insuficiente. “As barreiras continuam a existir, especialmente na legislação e na vontade política de divulgar informações sensíveis”, disse.
Leis como “escudo” para ocultação
Bartolomeu Milton criticou a forma como, historicamente, a legislação foi usada para ocultar os verdadeiros beneficiários de empresas no sector extractivo. “Houve uma altura em que a legislação proibia a divulgação dos nomes dos sócios em sociedades anónimas. Isso tornava quase impossível identificar quem estava por trás dos contratos”, explicou.
Além disso, o jurista apontou que muitas sociedades foram criadas sob a legislação de países como a Holanda, exigindo a inclusão de parceiros angolanos — muitas vezes ligados ao poder político. “A legislação foi feita à medida de interesses específicos. O Parlamento, dominado por uma maioria com interesses directos, aprovava leis que garantiam protecção aos seus”, denunciou.
Comunidades locais sem benefícios reais
O presidente da Probo Bono Angola destacou ainda a desconexão entre os lucros da exploração mineira e os benefícios para as comunidades locais. Cidades como Catoca e regiões com minas em Lulo são exemplos onde “há extracção milionária, mas as populações vivem em situação de extrema pobreza”.
Milton defendeu a necessidade urgente de se quantificar os benefícios sociais da exploração mineira: “Precisamos saber quanto é extraído, quanto fica no Estado e quanto chega realmente às populações”.
Referiu também investigações, como as do jornalista Rafael Marques, que expõem o contraste entre o potencial económico dessas regiões e a realidade de desemprego e precariedade.
Portal da Transparência como proposta concreta
Para incentivar o acesso à informação, Bartolomeu Milton revelou que a sua associação criou o Portal das Infra-estruturas, com o objectivo de agregar dados sobre obras públicas, contratos e execução orçamental. “Seria ideal que o próprio governo tivesse criado essa ferramenta. Queremos que o cidadão possa, com um clique, aceder a informações essenciais sobre a gestão pública”, reforçou.
Refinarias e transição energética
A construção da refinaria em Cabinda foi saudada por Milton, mas ele ressalvou que o impacto social imediato ainda é incerto. “Não podemos depositar todas as esperanças num projecto de combustíveis fósseis, quando o mundo caminha para energias limpas”, afirmou, sublinhando que “a província continua com níveis de pobreza inaceitáveis, apesar de ser uma das principais fontes de receitas do país”.
Responsabilidade social empresarial é fraca
O jurista sublinhou que a responsabilidade social das empresas do sector extractivo é “mínima e, muitas vezes, simbólica”. Disse ainda que, apesar de algumas iniciativas como bolsas de estudo, “os impactos não são sentidos pelas comunidades”.
Milton defendeu a criação de legislação obrigatória que imponha às empresas a canalização de parte dos seus rendimentos para o desenvolvimento local: “Se não houver obrigação legal, as empresas vão continuar a fazer o mínimo possível”.
Recursos são uma bênção, mas falta liderança ética
Ao ser questionado sobre se os recursos naturais são uma bênção para Angola, Milton respondeu afirmativamente, mas com uma ressalva: “O problema não é o país, são as pessoas. Angola tem potencial, mas faltam líderes comprometidos com o bem comum”, concluiu.
Segundo o jurista, a geração actual tem a responsabilidade de garantir que os recursos sirvam não apenas ao presente, mas também às gerações futuras. “O que vemos é um país com bilhões de dólares desperdiçados. Muito foi desviado. E o povo contínuo sem saber onde está esse dinheiro”, lamentou.